VAR em Portugal: Qual o protocolo e em que situações deve agir?

VAR em Portugal: Qual o protocolo e em que situações deve agir?

O VAR em Portugal é hoje central nas decisões dos árbitros. Mas muitos adeptos ainda têm dúvidas. Quando é que o VAR pode intervir? O que diz o protocolo? Este artigo explica tudo sobre o VAR em Portugal. Vamos analisar as regras, a história, os casos controversos e o futuro da tecnologia.



A introdução do Video Assistant Referee (VAR) no do futebol profissional português representou não apenas uma evolução tecnológica, mas uma reconfiguração ontológica da forma como a justiça desportiva é administrada em tempo real.

Ao longo dos tempos, porém, a tecnologia tem sido questionada em Portugal, sobretudo quando há decisões que não cumprem o protocolo, ou que geram perplexidade.

O protocolo que rege esta ferramenta, emanado pelo International Football Association Board (IFAB) e transposto para a realidade nacional pelo Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), constitui um documento complexo que equilibra a necessidade de precisão absoluta com a fluidez intrínseca ao jogo.

A premissa filosófica que sustenta todo o edifício normativo do VAR é a da “mínima interferência para o máximo benefício”. Porém, há casos inversos, com interferência pouco clara e nenhum benefício.

VAR em Portugal, para interferir pouco e ajudar muito

O princípio “mínima interferência para o máximo benefício” não é um mero slogan, mas uma diretriz operacional estrita.

O objetivo da tecnologia não é re-arbitrar o jogo na sua totalidade, nem atingir uma taxa de acerto de 100% em todas as microdecisões, mas sim erradicar o “erro claro e óbvio” e o “incidente grave não visto” que tenham o potencial de alterar o resultado da partida.

A autoridade suprema no terreno de jogo permanece, inequivocamente, o árbitro principal. O VAR, operando a partir da Cidade do Futebol em Oeiras, funciona como uma extensão sensorial da equipa de arbitragem, mas desprovido de poder decisório final.

A sua função é recomendar, alertar e fornecer evidências visuais. A decisão de reverter ou manter uma sentença cabe sempre ao juiz que pisa o relvado.

Esta distinção é fundamental para compreender a mecânica do protocolo: o VAR não “decide” anular um golo; o VAR recomenda uma revisão que pode levar o árbitro a anular o golo.

Ou seja, esta nuance preserva a hierarquia tradicional do futebol, integrando a tecnologia como uma ferramenta de suporte e não de substituição.

O protocolo estabelece quatro categorias exclusivas de situações passíveis de revisão, designadas como “Match-Changing Situations”.

Se um incidente não se enquadrar numa destas categorias, o protocolo proíbe expressamente a intervenção do VAR, independentemente da gravidade do erro percebido.

Esta limitação visa impedir que o jogo seja constantemente interrompido para a revisão de faltas menores, lançamentos laterais ou cantos, o que descaracterizaria a natureza dinâmica do futebol.

Em que situações o VAR deve chamar o árbitro?

1. Situações de golo

    A validação de um golo é o momento de maior escrutínio no protocolo do VAR. Diferente de outras situações que requerem um gatilho interpretativo, todos os golos são sujeitos a uma verificação obrigatória e silenciosa (silent check).

    O VAR analisa todo o desenrolar da jogada desde o início da Fase de Ataque com Posse de Bola (APP – Attacking Possession Phase). Esta fase define o período de jogo durante o qual a equipa atacante manteve a posse da bola antes de marcar o golo e termina com o golo em si.

    O VAR deve intervir e recomendar a anulação do golo se identificar qualquer uma das seguintes infrações cometidas:

    • Fora de Jogo: A verificação da posição de fora de jogo é uma das intervenções mais frequentes e, paradoxalmente, uma das mais objetivas. Se o marcador do golo ou qualquer outro jogador que interfira na jogada estiver em posição irregular no momento do passe, o golo deve ser anulado. A tecnologia atual permite a colocação de linhas virtuais para determinar a posição exata, transformando uma decisão que anteriormente dependia do “olho humano” em algo factual.
    • Faltas Prévias: O VAR analisa se houve alguma infração (falta) cometida pela equipa atacante na recuperação da bola ou na construção da jogada. Se a bola foi recuperada através de uma falta não assinalada, o golo subsequente é invalidado.
    • Mão na Bola: Qualquer contacto da bola com a mão ou braço de um jogador atacante que resulte imediatamente num golo, ou que crie a oportunidade de golo, é sancionado, independentemente da intencionalidade, conforme as alterações recentes às Leis do Jogo.
    • Bola Fora do Terreno de Jogo: O VAR verifica se a bola transpôs integralmente as linhas delimitadoras do campo (linha lateral ou linha de baliza) antes da concretização do golo.

    Por outro lado, o VAR intervém em situações de “Golo/Não Golo” relacionadas com a transposição da linha de baliza.

    Embora a Tecnologia da Linha de Golo (GLT – Goal Line Technology) seja o método preferencial e automático para esta verificação (enviando um sinal vibratório para o relógio do árbitro em menos de um segundo), em situações onde a GLT não esteja disponível ou operacional, o VAR utiliza as imagens de transmissão para determinar se a bola entrou totalmente na baliza.

    É crucial notar que o protocolo impede o VAR de intervir após o reinício do jogo. Se o árbitro validar o golo e apitar para o recomeço da partida no centro do terreno, nenhuma revisão pode ser iniciada retroativamente, mesmo que surjam evidências posteriores de irregularidade. O apito de reinício “sela” a decisão anterior.

    2. Situações de pontapé de penálti

    A área de grande penalidade representa o epicentro das decisões mais polémicas e com maior impacto direto no resultado, a par dos golos.

    O protocolo do VAR para pontapés de penálti é desenhado para evitar dois tipos de erros capitais: o penálti incorretamente assinalado e o penálti indevidamente não assinalado.

    • Penálti Incorretamente Assinalado: Ocorre quando o árbitro sanciona uma grande penalidade, mas as imagens demonstram que não houve infração. Isto inclui situações de simulação clara por parte do atacante, onde não existe contacto físico, ou onde o contacto é iniciado pelo próprio atacante. Também se enquadram aqui os casos onde a infração ocorreu fora da área de grande penalidade. Neste cenário, o VAR intervém para corrigir a localização da falta, transformando o penálti num livre direto (ou vice-versa).
    • Penálti Não Assinalado: Ocorre quando uma infração clara dentro da área escapa à visão da equipa de arbitragem em campo. O VAR deve recomendar a revisão se houver evidência de rasteira, empurrão, puxão ou mão na bola que cumpra os critérios de punibilidade.

    A fronteira entre a intervenção legítima e a interferência excessiva é particularmente ténue nos penáltis. O conceito de “contacto suficiente” vs. “erro claro” é central.

    O protocolo desencoraja a intervenção em casos de “penáltis leves” (soft penalties), onde existe um contacto marginal que o árbitro interpretou como suficiente para a queda.

    Se a decisão de campo for baseada numa interpretação subjetiva da intensidade do contacto e as imagens não contradisserem categoricamente essa interpretação (exemplo: houve contacto, mesmo que leve), o VAR deve, por norma, abster-se de intervir, respeitando a decisão de campo.

    A intervenção é reservada para quando a descrição do lance pelo árbitro via áudio (“Vi um pontapé na canela”) não corresponde à realidade da imagem (“O jogador tropeçou na relva”).

    Além da infração em si, o VAR verifica também a fase de construção da jogada (APP) que levou ao penálti.

    Se houver um fora de jogo ou uma falta da equipa atacante antes do incidente do penálti, a grande penalidade é anulada e o jogo recomeça com a infração original.

    3. Cartão vermelho direto

    A proteção da integridade física dos jogadores e a manutenção da disciplina são pilares das Leis do Jogo.

    O VAR tem competência para intervir em todas as situações de cartão vermelho direto, mas (e este é um ponto de frequente confusão pública) nunca em situações de segundo cartão amarelo.

    Uma expulsão por acumulação de amarelos, mesmo que o segundo amarelo seja manifestamente errado, não é passível de revisão pelo VAR, a menos que o erro seja de identidade.

    As intervenções para vermelho direto focam-se em:

    • Jogo Brusco Grave (Serious Foul Play): Entradas que utilizam força excessiva ou brutalidade e que colocam em perigo a integridade física do adversário. O VAR procura evidências de contacto com pitons, pernas esticadas, intensidade desproporcional e ponto de contacto elevado.
    • Conduta Violenta: Agressões fora da disputa de bola, como cotoveladas, cabeçadas, pontapés ou agressões a oficiais de jogo e espectadores. Estas situações ocorrem frequentemente “nas costas” do árbitro, tornando o VAR essencial para a sua deteção.
    • Impedir uma Oportunidade Clara de Golo (DOGSO – Denying an Obvious Goal-Scoring Opportunity): Se um jogador comete uma falta que nega ao adversário uma oportunidade manifesta de golo e o árbitro apenas mostra amarelo ou não assinala falta, o VAR deve intervir. A análise considera a distância para a baliza, a direção da jogada, a probabilidade de controlar a bola e a posição dos defensores.

    4. Identidade trocada

    Esta é a categoria estatisticamente menos frequente, mas vital para a justiça administrativa do jogo.

    Ocorre quando o árbitro adverte (cartão amarelo) ou expulsa (cartão vermelho) o jogador errado da equipa infratora. A confusão pode surgir em aglomerados de jogadores ou devido a semelhanças físicas.

    Nestes casos, o VAR intervém para identificar o verdadeiro infrator, permitindo ao árbitro transferir o cartão para o jogador correto.

    Importa sublinhar que o VAR não revê o mérito do cartão em si (no caso de um amarelo), apenas a identidade do recetor.

    Do “check” à decisão final

    Para o observador externo, o funcionamento do VAR pode parecer opaco. No entanto, o protocolo define uma sequência lógica de operações:

    1. O Incidente: O árbitro toma uma decisão em campo (ou deixa o jogo seguir).
    2. A Checagem (Check): O VAR revê automaticamente as imagens. Se o árbitro parar o jogo e o VAR precisar de tempo, este pode solicitar que o reinício seja retardado (colocando o dedo no auricular). Se a decisão de campo for confirmada (“Check Complete”), o jogo segue.
    3. A Recomendação: Se o VAR detetar um provável erro claro, recomenda uma revisão.
    • Para decisões factuais (fora de jogo, local da falta), a revisão é “VAR-Only”. O árbitro aceita a informação factual do VAR e altera a decisão sem ir ao monitor.
    • Para decisões subjetivas (intensidade da falta, mão na bola), o protocolo exige uma Revisão no Terreno de Jogo (OFR – On-Field Review). O árbitro vai à Área de Revisão do Árbitro (RRA), visualiza o lance no monitor e toma a decisão final. O VAR pode sugerir os melhores ângulos e velocidades (câmara lenta para o ponto de contacto, velocidade normal para a intensidade), mas nunca impõe a decisão.

    Histórico do VAR em Portugal

    A história da implementação do VAR em Portugal é a narrativa de uma federação que, confrontada com um ambiente de suspeição endémica sobre a arbitragem, optou por acelerar a adoção tecnológica como ferramenta de pacificação e verdade desportiva.

    Portugal não se limitou a seguir a tendência internacional. Posicionou-se na vanguarda, sendo um dos primeiros países do mundo a adotar o sistema de forma integral.

    Há assim um antes e um depois do VAR. E para os adeptos mais fervorosos, há até uma nova contagem: número de títulos desde a introdução do VAR em Portugal.

    O contexto pré-VAR e a decisão estratégica

    Antes de 2016, o futebol português vivia mergulhado em polémicas semanais sobre decisões de arbitragem.

    A pressão sobre os árbitros era imensa, e os erros, naturais na atividade humana, eram muitas vezes amplificados por lentes de conspiração.

    A FPF, sob a liderança de Fernando Gomes, identificou na tecnologia aprovada de forma experimental pelo IFAB em março de 2016 uma oportunidade crítica.

    A decisão de avançar foi rápida e ambiciosa: em vez de um período de testes prolongado de vários anos, a FPF desenhou um roteiro para a implementação total na Primeira Liga o mais brevemente possível.

    2016/2017: A fase de testes

    A época 2016/2017 serviu como o grande laboratório. O sistema foi instalado e testado em ambiente real, mas em modo “offline”.

    Isto significava que as equipas de videoarbitragem estavam presentes nos estádios (em carrinhas OB Van) ou em salas de teste, analisando o jogo e comunicando entre si, mas sem qualquer ligação áudio com o árbitro de campo.

    O objetivo era duplo: testar a robustez técnica da transmissão de sinal e treinar os árbitros na nova metodologia sem o risco de interferir nos jogos oficiais.

    Foram realizados múltiplos testes offline em jogos da Taça de Portugal e da Supertaça. O árbitro Jorge Sousa destacou-se nesta fase como o juiz com maior número de horas de experiência no novo sistema, acumulando testes em seis jogos distintos.

    Estes ensaios permitiram afinar os procedimentos de comunicação e a rapidez na seleção das imagens, identificando constrangimentos técnicos antes da estreia “a valer”.

    Marco mundial: 28 de maio de 2017

    A data de 28 de maio de 2017 é um marco indelével na história do futebol. A final da Taça de Portugal entre o Benfica e o Vitória de Guimarães, disputada no Estádio Nacional do Jamor, tornou-se a primeira final de uma competição nacional em todo o mundo a utilizar o VAR em modo oficial (online).

    A autorização foi concedida pelo IFAB como parte dos testes globais pré-Mundial 2018. O árbitro Hugo Miguel teve a responsabilidade histórica de dirigir o encontro com o auxílio da tecnologia.

    O Benfica venceu a partida por 2-1, mas o verdadeiro vencedor foi o sistema, que provou ser operacional num palco de alta pressão.

    A FPF comunicou orgulhosamente que esta seria “a primeira final alguma vez disputada, em todo o mundo, de uma prova de âmbito nacional a ter recurso a vídeo-árbitro”.

    Este evento serviu de prova de conceito não apenas para Portugal, mas para as outras federações que observavam atentamente a experiência portuguesa.

    2017/2018: A implementação na Liga

    Na época seguinte, 2017/2018, Portugal deu o passo definitivo. Tornou-se um dos primeiros países a implementar o VAR em todos os 306 jogos do principal campeonato nacional (então Liga NOS).

    A logística desta operação foi monumental. Ao contrário de outros países como a Alemanha ou a Itália, que inicialmente consideraram ou utilizaram unidades móveis (carrinhas) em cada estádio, Portugal avançou para um modelo centralizado inovador.

    Foi criado o “Match Center” na Cidade do Futebol, em Oeiras. Todas as imagens dos estádios de norte a sul do país e ilhas são transmitidas via fibra ótica de alta velocidade para esta sala central, onde operam as equipas de VAR.

    Este modelo permitiu uma maior uniformização de critérios, melhores condições de trabalho para os árbitros e uma redução de custos logísticos a longo prazo, embora o investimento inicial da FPF tenha rondado os 600 mil a 1 milhão de euros anuais, incluindo cerca de 2.000 euros por jogo para a operação tecnológica e humana.

    Expansão e evolução contínua

    A estabilização do sistema na Primeira Liga permitiu a sua expansão gradual. O acordo inicial entre a Liga e a FPF previa o VAR até 2018/19, mas a ferramenta tornou-se indispensável para a credibilidade da competição.

    • Segunda Liga (2023/24): Numa demonstração de compromisso com a verdade desportiva em todos os escalões profissionais, o VAR foi introduzido na Liga Portugal SABSEG na época 2023/24, cobrindo um campeonato altamente competitivo e profissionalizando ainda mais a arbitragem no segundo escalão.
    • Futebol Feminino: A tecnologia também começou a ser integrada em jogos decisivos das competições femininas e nas fases finais das taças, como a Taça da Liga e a Supertaça Feminina, demonstrando a transversalidade do projeto.

    Análise estatística e impacto operacional

    Para além da narrativa histórica, a avaliação do VAR em Portugal deve basear-se em métricas objetivas.

    O “Portugal Football Observatory”, unidade de investigação da FPF, tem produzido relatórios que quantificam o impacto real da tecnologia na verdade desportiva, desconstruindo mitos e validando a eficácia do protocolo.

    A quantificação da “verdade desportiva”

    Os dados acumulados das primeiras quatro épocas de utilização do VAR (2017/18 a 2020/21) revelam um cenário claro de correção sistemática de erros graves. Um dos indicadores mais expressivos é o volume de golos anulados.

    • Golos Irregulares: Desde a introdução do VAR, o número de golos anulados subiu 165% em comparação com o período homólogo pré-VAR. Isto indica que, antes da tecnologia, uma média significativa de golos em fora de jogo ou com faltas prévias eram validados por incapacidade humana de deteção em tempo real. A média situou-se em cerca de 77 golos anulados por época que, sem VAR, teriam contado no marcador.
    • Época 2020/21: Tomando esta época como estudo de caso, o VAR foi responsável pela anulação de 40 golos que tinham sido validados em campo e pela reversão de 18 penáltis que tinham sido incorretamente assinalados. Inversamente, permitiu validar golos legais incorretamente anulados por foras de jogo inexistentes e detetar penáltis que tinham escapado ao árbitro. No total, sem a rede de segurança do VAR, teriam sido validados 119 golos irregulares e 56 penáltis errados ao longo do ciclo de quatro anos analisado.

    Estas estatísticas sublinham que o VAR não é apenas uma ferramenta de consulta, mas um filtro ativo que impede que erros factuais distorçam a classificação e os resultados das competições.

    Impacto no tempo de jogo

    Uma crítica recorrente ao sistema prende-se com as interrupções.

    O protocolo do VAR introduziu novas paragens no jogo: a checagem silenciosa (que pode atrasar um reinício por alguns segundos) e a revisão oficial (que pode demorar vários minutos).

    Embora a máxima do IFAB seja “a precisão é mais importante que a pressa”, a FPF e o Conselho de Arbitragem têm trabalhado na formação contínua para reduzir os tempos de decisão.

    Os dados indicam que a maioria das checagens ocorre em “tempo morto” (enquanto os jogadores festejam um golo, por exemplo), não impactando o tempo útil.

    No entanto, as revisões complexas, especialmente aquelas que envolvem interpretação subjetiva e a ida do árbitro ao monitor (OFR), continuam a ser momentos que podem estender-se, afetando o ritmo da partida.

    Ontem, por exemplo, a análise de uma potencial grande penalidade durou cerca de 12 minutos, o que constitui um recorde negativo, como a maior paragem para análise de um lance, em Portugal.

    A introdução de tecnologias mais rápidas, como o fora de jogo semiautomático, visa atacar este ponto crítico.

    Inovações recentes e futuro

    O protocolo do VAR em Portugal não é um documento estático. A FPF mantém uma postura de inovação contínua, procurando adotar as mais recentes diretrizes da FIFA e tecnologias que aumentem a transparência e a eficiência.

    As épocas de 2023/24 e 2024/25 marcaram o início de uma nova fase de abertura ao público.

    Por outro lado, a rigidez do protocolo do VAR tem suscitado muitas críticas, além de sugestões de pontos de melhoria.

    E sendo o desporto uma atividade que move paixões, nem sempre os adeptos compreendem que uma decisão injusta não possa ser revertida, por culpa do protocolo do VAR.

    No entanto, têm sido adicionadas melhorias no sistema, uma delas bem acolhida pelos adeptos.

    Explicações áudio no estádio

    Em janeiro de 2024, a FIFA autorizou, e a FPF implementou, uma medida revolucionária para a transparência da arbitragem: a comunicação áudio das decisões do VAR para o estádio.

    Até então, os adeptos nas bancadas ficavam muitas vezes sem compreender o motivo de uma paragem ou de uma reversão de decisão, gerando frustração e suspeição.

    A medida estreou-se num jogo da Segunda Liga entre o Lank Vilaverdense e o Santa Clara, realizado no Estádio Cidade de Coimbra em fevereiro de 2024.

    O árbitro João Pedro Afonso protagonizou o momento histórico ao ligar o seu microfone ao sistema de som do estádio para explicar uma reversão de decisão.

    As suas palavras:

    “Após revisão VAR… Decisão final: retirar o cartão amarelo… e assinalar penálti”.

    A frase marcao início de uma nova era de comunicação.

    O protocolo para estas explicações é estrito:

    • Quando: O árbitro só comunica com o público após uma Revisão no Terreno de Jogo (OFR) ou após uma revisão factual complexa (como um fora de jogo ou falta fora da área) que tenha alterado a decisão original.
    • O Quê: A explicação deve ser concisa, identificando o infrator, a natureza da infração e a decisão final. Não se trata de uma justificação filosófica, mas de uma clarificação factual.

    Fora de jogo semiautomático (SAOT): O que é?

    A grande evolução tecnológica prevista para o horizonte em Portugal é a implementação do Fora de Jogo Semiautomático (SAOT – Semi-Automated Offside Technology).

    Hoje, a colocação das linhas de fora de jogo é feita de forma manual pelos operadores de vídeo, um processo que, embora preciso, é moroso e suscetível a erros na seleção do frame exato do passe ou do ponto mais adiantado do corpo do jogador.

    A tecnologia SAOT utiliza um sistema de câmaras dedicadas instaladas sob a cobertura do estádio para rastrear até 29 pontos de dados de cada jogador, 50 vezes por segundo, calculando a sua posição exata no campo.

    Em simultâneo, uma bola com sensor (em alguns sistemas) ou rastreamento ótico deteta o momento exato do toque. Quando ocorre um fora de jogo, o sistema envia um alerta automático para a sala de VAR.

    A Liga Portugal e a FPF têm trabalhado no sentido de alinhar o futebol português com as melhores práticas europeias (como a Premier League, que introduzirá o sistema no final de 2024 ou início de 2025).

    A expectativa é que o SAOT reduza o tempo médio de decisão em lances de fora de jogo de cerca de 70 segundos para 25 segundos, eliminando a subjetividade na colocação das linhas e proporcionando aos espectadores visualizações 3D quase instantâneas das infrações.

    Desafios, polémicas e a dimensão humana

    Apesar de todo o aparato tecnológico, o futebol permanece uma atividade humana sujeita a interpretação.

    O VAR resolveu a questão dos erros factuais (a bola entrou ou não, estava fora de jogo ou não), mas não eliminou a polémica nas chamadas “zonas cinzentas”.

    A subjetividade e a “zona cinzenta”

    O conceito de “erro claro e óbvio” é, em si mesmo, subjetivo. O que para um árbitro é um contacto insuficiente para penálti, para outro pode ser uma infração clara.

    Casos como o lance de mão na bola envolvendo o jogador Pepê no jogo Famalicão-FC Porto ilustram esta dificuldade.

    A discussão centrou-se na “volumetria” do corpo e no “movimento natural”, conceitos que, mesmo com repetições em câmara lenta, dividem opiniões.

    Neste caso específico, a divulgação posterior dos áudios entre o árbitro e o VAR foi fundamental para que o público compreendesse o racional da decisão, demonstrando que a transparência é o melhor antídoto para a controvérsia.

    Os casos incompreensíveis

    Ao mesmo tempo, e em paralelo com os casos incompreendidos pelos adeptos, há erros de VAR que se tornaram quase unânimes. E aqui não entramos nas questões da interpretação, da intensidade do empurrão, ou na mão na bola ou bola na não, nem na volumetria do corpo.

    Recentemente, tivemos dois casos controversos. O primeiro na época passada, na segunda parte da final da Taça de Portugal, no jogo entre Benfica e Sporting. Já no tempo de compensação, Belotti foi pisado na cabeça por Mattheus Reis, num lance que passou despercebido ao árbitro e não mereceu intervenção do VAR.

    E já na presente época, ontem mesmo, no jogo da Taça entre Santa Clara e Sporting, um lance na área que não era erro claro e óbvio mereceu a chamada do VAR.

    Certo é que a existência do VAR criou uma expectativa de infalibilidade irrealista junto do público.

    A pressão sobre a equipa de arbitragem

    O protocolo admite que o objetivo não é a perfeição, mas a justiça possível. No entanto, a pressão sobre os árbitros aumentou, pois a “rede de segurança” do VAR retirou a desculpa do “não vi”.

    Em paradoxo, a tecnologia expôs ainda mais a competência (ou falta dela) na interpretação das Leis do Jogo.

    O desafio futuro da arbitragem portuguesa passa não apenas pela tecnologia, mas pela formação técnica e psicológica dos árbitros para lidarem com esta nova camada de complexidade e escrutínio.

    Em suma, o VAR em Portugal transformou-se de uma experiência pioneira num pilar indispensável da competição.

    Com um histórico de inovação que vai desde a primeira final online do mundo até à introdução de explicações áudio, o sistema continua a evoluir para servir o seu propósito original: garantir que o resultado final reflete o mérito desportivo e não o erro humano.

    O princípio básico: Mínima interferência, máximo benefício

    O VAR não serve para arbitrar o jogo todo. O objetivo não é acertar 100% das pequenas decisões. A filosofia é clara: corrigir erros claros e óbvios.

    FAQ

    Existe tempo máximo estabelecido para o árbitro tomar uma decisão após chamada do VAR?

    Não. O árbitro pode demorar o tempo que entender ser necessário. O objetivo não é tomar decisões de forma rápida, mas tomar boas decisões. A regra é “a precisão é mais importante que a rapidez”. No entanto, a FPF trabalha para reduzir as paragens.

    Qual é o tempo médio de uma paragem provocada pelo VAR?

    A média, até ao final da época 2024/2025, ronda os 2 minutos em casos menos complexos. Existem os contactos entre VAR e árbitro que podem levar a decisões instantâneas, mas quando o árbitro é chamado a observar imagens todo o processo demora cerca de 3 minutos.

    O árbitro é obrigado a aceitar a recomendação do VAR?

    Não. O VAR apenas recomenda. A decisão final é sempre do árbitro. Ele pode ir ao monitor e manter a sua decisão inicial.

    O VAR pode intervir num lançamento lateral?

    Não. O protocolo proíbe intervenções em recomeços de jogo (laterais, cantos, pontapés de baliza). A única exceção é se dessa jogada resultar diretamente um golo ou penálti e houver erro na origem.

    Porque é que o VAR não reverteu aquele segundo amarelo?

    O protocolo não permite. O VAR só atua em vermelhos diretos. Expulsões por acumulação de amarelos são da exclusiva responsabilidade do árbitro de campo.

    O que é o “fora de jogo semiautomático”?

    É uma nova tecnologia prevista para 2025/26. Câmaras especiais seguem os jogadores e a bola. O sistema deteta o fora de jogo automaticamente e avisa o VAR. Elimina as linhas manuais e acelera o jogo.

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